Em 2013 já tinha participado desta prova, e por motivos emocionais tive que abandoná-la no km 50 (Relato no blog).
Em todos esses anos de corrida, nunca tinha abandonado uma prova antes, e por mais que ache que tenha tomado a atitude certa, posso dizer que a sensação de derrota para comigo mesmo, caminhou ao meu lado por um ano.
Um ano em que sempre pensava que era capaz de superar aquele desafio, e que devia me preparar para voltar lá, não para desafiar a natureza....natureza esta que mostrou toda a sua grandiosidade perante nós atletas..... mas sim para voltar lá, pedir licença á ela e poder desfrutar de uma energia divina que somente ela pode nos proporcionar, e principalmente agradecê-la por me dar a oportunidade de poder voltar aquele lugar mágico.
Desta vez, treinei de verdade e estava psicologicamente preparado, afinal, já sabia o que encontraria pela frente.
Dada a largada, comecei preocupado com uma dor incômoda no joelho que me acompanhava á dias, mas uns 30 minutos foram necessários para o sangue esquentar e o incômodo ir embora.Durante a prova, minha maior preocupação era o peso da mochila, afinal não receberíamos nenhum auxílio durante a prova, exceto 2 postos de água.
Durante o dia o sol resolveu esquentar o que acabou dificultando nosso primeiro desafio, a montanha Tijuco Preto com sofríveis 2350 metros de altura.
Para os atletas que fariam a prova de 40 km, este seria o desafio maior, já para nós que faríamos 80 km, este sofrimento era apenas um aviso do perrengue que viria pela frente.
Após algumas horas, terminamos o Tijuco Preto e descemos até o Ponto de controle do Ibama, local este, o qual existia uma pequena torneira d´água, ou seja, um verdadeiro tesouro para os que lá estavam.
Seguindo em frente, o relógio já marcava umas 15 horas, e o sol castigava cada atleta que tentava ao menos trotar pela estrada de terra, com intermináveis subidas.
Mais umas 2 horas foram necessárias para chegarmos até o posto de controle do Paiolinho, posto este o qual a organização checava a saúde dos atletas e após análise desclassificava aqueles que não apresentavam condições físicas e mentais para seguir em frente.
Toda esta esta análise era necessária, pois o montanha mais difícil estava por vir, e devido a falta de acesso, os atletas não teriam ajuda dali em diante, e o que mais preocupava á todos era o anoitecer e o frio no cume da montanha, isto sem contar é claro estado dos atletas que em quase toda sua totalidade era bastante debilitado.
Vários atletas chegavam naquele estágio e acabavam desistindo de prosseguir, pois sabiam que correriam um risco muito grande pela frente. Este foi exatamente o meu caso no ano passado, mas posso dizer que este ano estava tão focado no meu objetivo, que cheguei ao local e não conversei muito com os alguns atletas que se encontravam estirados no chão tentando se recuperar para seguir a diante.
Neste posto de controle, abasteci minha mochila, consegui incentivar um amigo a não desistir da prova e após uns 10 minutos segui em frente, pois sabia que em breve chegaria a noite e sem dúvida meus problemas se multiplicariam.
Iniciei assim a temível subida até o cume da Pedra da Mina com 2780 metros de altitude.
No início, subimos por uma floresta com a mata um pouco fechada, o que dificultava um pouco, mas com uma beleza sem igual, que me lembrou bastante minha viagem á Nova Zelândia em um passei que fiz pela floresta que serviu de cenário para as filmagens do filme O Senhor dos Anéis.
Passada a floresta, o sol começou a se pôr, a montanha começou a ficar mais íngreme, a água acabou e o frio chegou de vez.
Para minha sorte, estava com outros três atletas, o que acabou confortando á todos, pela camaradagem ocorrida.
Conforme íamos prosseguindo o cansaço nos desidratava cada vez mais e o ar rarefeito fazia com que caminhasse-mos por uns 50 metros e logo em seguida fazíamos uma parada para respirar.
Após um bom trecho de escalada lenta e sofrida, ouvimos o barulho de água e não acreditávamos que aquele bem tão valioso aparecera para nós. Naquele instante, percebi que na vida, em determinados momentos, dinheiro algum pode nos salvar e que as coisas mais simples tem um valor imenso, coisas estas que infelizmente grande parte das pessoas fingem não ver ou acreditar.
Naquele instante o termômetro marcava 10 graus, e a água estava super gelada, mas no estado lastimável que nós quatro nos encontrávamos, nem percebemos tal fato.
Já com as lanternas acessas, a noite finalmente caiu , assim sendo seguimos em frente, e foi aí que o verdadeiro perrengue começou, afinal, o ar começava a faltar cada vez mais, dificultando a oxigenação cerebral, e uma sensação ruim se iniciou.
Naquele trecho, tínhamos que escalar uma pedra, com uma corda que se encontrava presa na mesma. Sabíamos que estávamos ao lado de 02 precipícios, mas que se importava, afinal estava tudo escuro, não enxergávamos lá embaixo, e não estávamos com a consciência 100 %.
Um parceiro que estava conosco chegou á ouvir estranhas gargalhadas de bruxas, já no meu caso, ouvi o galope de alguns cavalos, mas fui consolado por meus amigos, que insistiam em dizer que seria impossível um cavalo subir até aquele local.
Loucuras á parte, seguimos em frente vagarosamente, como uma equipe, e o mais impressionante era que aqueles quatro caras estavam sofrendo, mas ao mesmo tempo, se divertindo realizando um feito único em suas vidas.
No cume da montanha, o termômetro marca -2 graus e três alpinistas argentinos estavam acampados, oferecendo auxílio aos atletas, sendo que alguns deles, resolveram acampar naquele local, para descer somente quando o sol nascesse, temendo o pior durante a descida que além de extremamente técnica era muito perigosa.
No nosso caso, descemos dado auxilio uns aos outros, e neste instante cada um se despediu e imprimiu o seu ritmo.
Neste momento resolvi ficar sozinho, afinal passamos por algumas nuvens e quando meu relógio marcava exatas 1 hora da manhã, a lua cheia me presenteou com sua imponência, iluminado um pouco aquela natureza mágica, que insistia em acolher um ser que estava lá apenas para viver momentos inexplicáveis, fazendo com sua vida realmente valha a pena ser vivida. Obrigado Deus, por essa experiência divina.
Passando a parte íngreme, iniciaram se as trilhas técnicas, e neste instante consegui trotar um pouco e curtir ainda mais a prova, sendo que uma hora depois, saí da montanha e entrei em uma floresta para seguir trotando pela mata, até encontrar novamente um riacho.
Estava tão debilitado, com inúmeras cãibras, muito cansado, com os pé estraçalhados por causa das pedras, que nem ao menos pensei na procedência daquela água e fui logo bebendo a mesma com toda a vontade do mundo.
Sabe-se lá porque, aquela água fez com que as forças até então inexistentes voltassem. Após o riacho, iniciou o trecho final da prova, uma estrada rural de terra, e para minha sorte eu sabia que de uma vez por todas ia vencer aquele medo que me assombrou por um ano inteiro. Talvez por este motivo, Deus fez questão de renovar minhas forças, e limpar o céu, colocando aquela lua cheia imensa, rodeada por incontáveis estrelas no céu, o que iluminou a estrada para aquele final de prova sem igual.
Após 74 quilômetros de montanhas, peso nas costas, frio e sede, consegui correr em um ritmo bacana e passar três atletas que apesar de esgotados, lutavam bravamente para chegar ao final.
No último quilômetro, entrei na cidadezinha de Passa Quatro, uma pacata cidade no interior de Minas Gerais.
Meu relógio, marcava 03 horas da madrugada, e lá estava eu, sem palavras, após realizar um feito que dinheiro algum pode comprar, além de provar mais uma vez a mim mesmo, que esta carcaça de 34 anos ainda é capaz de realizar feitos muito maiores e acima de tudo aproveitar esta vida maravilhosa ao máximo como venho fazendo ao longo destes anos.
No final, cruzei o pórtico de chegada com 18 horas e 28 minutos de prova, conquistando a 18 posição geral, dentre 127 atletas, sendo que 49 destes acabaram não conseguindo completar a prova.
Mais uma vez agradeço principalmente á Deus, á minha mãe, minha esposa, e á todos que me ajudaram ao longo desta jornada.
FAÇAM O BEM UNS AOS OUTROS.
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