ATACAMA CROSSING
2015
Desde
minha infância, sempre fui fascinado em explorar lugares exóticos e inóspitos,
mas foi através do esporte que tive a oportunidade de conhecer locais até então
por mim inimagináveis, afinal em 10 anos de corridas, distribuídas em
maratonas, ultramaratonas, iron man, travessias aquáticas e extenuantes provas
de ciclismo, tive a oportunidade de conhecer 9 países, além de metade dos estados do nosso
país, mas confesso que nada foi tão desafiador, sofrido e principalmente
emocionante como a ultramaratona Atacama Crossing.
Nesta
prova, o atleta precisa completar 250 km em estágios, durante 7 dias no
deserto, sem receber apoio algum da organização, exceto atendimento médico e 2
litros de água a cada 10 km, além de uma tenda no final do dia para ser
compartilhada entre 10 atletas.
1° Estágio – Dia 4 de Outubro –
38 km
Largamos
no primeiro dia em 3.500 metros de altitude e enfrentamos algumas subidas com
muitas pedras soltas logo no início. Como carregava todos os suprimentos e
equipamentos para sobreviver no impiedoso deserto por 7 dias, minha mochila
pesava 13 quilos e todo este peso nas costas, mais a falta de ar devido ao
Atacama ser o deserto mais seco do mundo, além é claro do calor que aumentava
bastante, resolvi iniciar a prova da forma mais cautelosa possível, sendo que
somente após o km 18, quando entramos em um estreito porém extenso cânion, pude
trotar um pouco para terminar o dia o menos cansado possível.
2° Estágio – Dia 5 de Outubro –
44 km
Neste
dia largamos descendo várias montanhas até chegarmos em um riacho com água de
degelo das montanhas.
Por
aproximadamente 06 km fomos serpenteando em uma trilha pelo riacho, e
molhávamos os pés á todo instante, o que futuramente me causaria alguns
problemas.
Após o
riacho, cheguei a pensar em trocar as meias para evitar bolhas, mas devido á
congelante temperatura da água, não sentia mais meus dedos, então achei melhor
seguir em frente o mais rápido possível, com o intuito de manter a circulação
sanguínea regularmente e continuar com o movimento de meus dedos.
Em
seguida, subimos uma montanha com 1.100 metros o que levou algumas horas de uma
mista sensação de esgotamento e admiração ao local.
Com o
termômetro marcando 44°, mas com sensação térmica muito maior, terminamos a extenuante subida, e começamos á descer
enormes dunas, e independente de estar usando polainas sobre os tênis, muita
areia entrou nos mesmos, o que resultou na primeira bolha formada em meu pé direito, fato este que incomodou
bastante até o final da etapa.
3° Estágio – Dia 6 de Outubro –
38 km
No
terceiro dia, passamos por um trecho com muitas subidas em rochas e pedras
pontiagudas, providas de erupções vulcânicas, sendo que no km 19 em diante,
entramos em um trecho com muitas dunas de areia com incontáveis subidas e
descidas.
Minhas
polainas já não funcionavam mais como deveriam, prejudicando bastante meus pés,
mas a dificuldade maior sem dúvida era o implacável calor do deserto.
Nos 6
km finais, percorremos por um trajeto com areia que afundava até a altura da
canela, dificultando até mesmo o simples ato de caminhar e nos últimos 400
metros, subimos uma duna com inclinação tamanha
que exigiu o auxilio de minhas mãos para vencê-la e chegar até a meta do
dia.
4° Estágio – Dia 7 de Outubro –
45 km
No
briefing da organização antes desta etapa, eles foram claros em dizer que seria
uma etapa duríssima, e aconselharam aos que não estavam em boas condições á
desistir, afim de evitar problemas durante o dia.
Largamos
em uma estrada de terra e em seguida entramos em um deserto de areia, onde
podíamos enxergar algumas árvores muito distantes.
Como
estava correndo sozinho, este vazio no horizonte fez com que eu começasse a
sentir uma depressão repentina, sensação esta nunca vista em minha vida antes,
mas continuei em frente, vagarosamente e no km 14 entramos em um novo ambiente
extremamente vasto, mas desta vez o solo era composto por grossas cascas de
sal.
O
calor extremo e a fadiga acumulada pelos dias anteriores fez com que a
depressão aumentasse, foi então que acabei parando, e estava disposto a abandonar
á prova temendo o pior, pois não agüentava mais tamanho sofrimento.
Ao
abrir minha mochila, peguei umas fotos que minha esposa colocou na mesma, e
para minha surpresa, em uma delas tinha justamente a imagem do ultrassom de
minha filha de 6 meses. Não agüentei e desabei a chorar por uns 10 minutos. A
partir daí, tinha que completar a prova para ela, e nem mesmo o trecho á
seguir, considerado por todos o mais difícil dos 250 km de prova, um pântano de
12 km com crostas de sal e plantações que afundavam até o joelho foram capaz de
impedir meu objetivo.
5° Estágio – Dia 8 de Outubro –
78 km
Como
era previsto, o dia anterior foi marcado por muitas desistências, lesões e
principalmente problemas nos pés dos atletas. Ao longo do restante do dia, uma
fila se formou na tenda médica para tratamento de bolhas e unhas que caíam dos
pés dos atletas.
Conhecida
como “A Longa Marcha”, esta etapa era muito desgastante, devido á extensa
distancia aliada ao cansaço extenuante dos atletas.
Iniciamos
o dia no deserto correndo sobre as incomodas crostas de sal, e após 2 horas de
prova chegamos em uma estrada de terra, com muita poeira seca que se levantava
conforme pisávamos, o que venho a dificultar um pouco a respiração.
Seguimos
por longas estradas de terra, o que animou um pouco, afinal, podíamos ao menos
correr um pouco mas no 21° km, entramos novamente no deserto de areia e todas
as dificuldades voltaram novamente.
Ao
chegarmos no posto de controle do km 28, isso já com quase 5 horas de prova,
recebemos o único presente da organização, uma lata de Pepsi, confesso que não
bebo refrigerante, mas neste caso tomei ele todo e apenas 2 goladas. Como estava em um ritmo constante com 2 americanos
e 1 mexicano, resolvi não descansar e seguir em frente com eles.
Em
seguida, chegamos á um local vasto e montanhoso, onde ficamos por 3 horas
subindo e descendo. Como aprecio subidas, consegui deixar os 3 atletas para
trás e seguir em frente, até encontrarmos o pior trecho do dia.
Após
um pouco de vento, começou uma tempestade de vento, prejudicando até mesmo o
simples ato de andar, devido ás fortes rajadas e neste local tínhamos que subir
uma duna extremamente alta. Para piorar as coisas avistei um americano e de
longe já percebi que ele estava com problemas, mas ao alcançar o mesmo pude comprovar de fato. Com a cabeça caída ao lado do ombro, o atleta
estava com um pouco de espuma sobre seu peito e seu ombro, sem forçar para
levantar a cabeça novamente, mas independente da situação lamentável, correndo
até mesmo o risco de perder a vida, ofereci ajuda e ele se negou, dizendo que
estava se divertindo com a prova, coisas de ultramaratonista.
Sofri
muito para subir aquela duna, em meio a fortíssimas rajadas de vento com areia,
e devido ao esforço tremendo comecei a passar mal do estomago, sentindo fortes
dores e diarréia, acredito que seja pelo fato de comer comida liofilizada por
tantos dias.
Chegamos
ao vale da lua, um local lindo, que sem duvida valia a pena todo o sofrimento e
no posto de controle do km 40, apenas avisei a organização sobre o americano e
segui em frente por um vasto cânion.
Como todos estavam muito distantes, continuei em frente e não conseguia
ver ninguém, e pelo fato de estar em um deserto, passei a sentir a sensação de
estar em um encontro com Deus.
Largamos
no começo do dia ás 08:00 e por volta das 17:00 horas cheguei no posto do km
50, e neste local a organização sugeria aos atletas em ruins condições que
acampasse lá com a organização para completar os outros 28 km no dia seguinte,
pois á noite enfrentaríamos temperaturas beirando 0°.
Estava
com problemas estomacais, e também muito fraco, por mais que tinha dificuldades
em ingerir qualquer coisa no estômago, peguei água quente e fiz um risoto com
frango para comer, prevendo problemas pela frente devido a falta de
alimentação.
Segui
vagarosamente, temendo a escuridão que chegaria em breve, e após mais 6 km no
deserto, saímos e chegamos em uma extensa estrada de terra, o que fez com que
me empolgasse um pouco e independente de tantas dores, consegui correr um
pouquinho, até chegar no posto de controle do km 60 totalmente debilitado.
Neste
ponto o sol estava se pondo, coloquei minha calça e todas as duas blusas que
tinha além de gorro e luvas, pois já estava bastante frio ao chegar da
escuridão.
Faltando
8 km para o fim, caminhei o restante da etapa ao lado de um amigo mexicano, e
não tínhamos força sequer para conversar um com outro, seguimos curtindo o frio
e a escuridão do deserto até chegarmos ao final da etapa ás 21:30 e
comemorarmos á beça.
6° Estágio – Dia 10 de Outubro
– 8 km
No dia
anterior, alguns atletas tiveram uma folga para recuperação, enquanto outros
chegaram da 5ª etapa pela manhã, já a última etapa consistia em apenas 8 km,
onde chegaríamos ao final da prova na cidade de San Pedro de Atacama.
Acordei
cheio de dores, mas bastante animado pelo final da jornada, pois estava
desesperado para tomar um banho, comer comida de verdade e voltar para casa.
Com o
intuito de conseguir melhorar minha posição no ranking geral, além de uma
aposta com meu amigo mexicano, resolvi me esforçar até onde agüentasse, e
independente do cansaço extenuante, além da mochila que ainda pesava uns 7
quilos fechei os 8 kms em 00:40:32.
Ao
cruzar o pórtico de chegada, peguei uma pequena bandeira do Brasil, e pela
primeira vez na minha vida chorei ao concluir uma prova, mas chorei aos prantos,
tamanha era minha emoção.
Fechei
a prova com um tempo acumulado de 43:12:29, conquistando a 32° colocação geral
entre 158° atletas, sendo o 1° Latino Americano.
Independente
de todo o sofrimento, além da perda de 6 quilos
nestes 7 dias, confesso que esta foi uma experiência épica em minha vida
sendo uma jornada de auto-conhecimento, superação, novas amizades, exploração e
principalmente um grande encontro com Deus.
Quando
cheguei ao Brasil, uma pessoa me perguntou se eu faria tudo isto novamente? Não
precisei pensar para responder que em 2017 irei tentar fazer A Saara Race 250km. Desta vez no deserto do Saara na Namíbia, o mais quente do planeta.